Por Matheus Barros e Tamires Ferreira
No dia 29 de setembro é comemorado o Dia Mundial do Coração, data criada para alertar as pessoas sobre as doenças cardiovasculares e a importância de cuidar da saúde de um dos órgãos mais importantes e vitais do corpo.
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Segundo o painel de monitoramento de mortalidade da Secretaria de Vigilância em Saúde, a principal causa de mortalidade no Brasil, considerando todas as idades, desde 1990, são problemas isquêmicos do coração (80%) – conhecido também por doença coronariana.
Em crianças abaixo dos cinco anos, o transtorno do período neonatal (138%) e anomalias congênitas (73%) lideram o ranking e, dentre elas, em questões cardiológicas, a prevalência de óbito é a malformação do coração.
Hipoplasia e problemas isquêmicos do coração
De acordo com o Instituto de Pesquisa e Ensino Médico (IPEMED), entre as principais doenças do coração estão: hipertensão arterial; doença coronariana; doença cerebrovascular; doença arterial periférica; doença cardíaca reumática (doença valvar) e; cardiopatia congênita (crianças).
Segundo a cardiologista da UTI pediátrica do Hospital Beneficência Portuguesa, Natasha Caldas, a cardiopatia que causa mais mortes nas crianças brasileiras é a hipoplasia do coração esquerdo ou direito, na qual metade do músculo cardíaco não nasce adequadamente formado. “A taxa de mortalidade para crianças nessa condição é de 85% nos 15 primeiros dias de vida”, explicou.
Já nos adultos, a principal causa morte são os problemas isquêmicos do coração, que também podem ser conhecidas como doença arterial coronariana. O quadro afeta as artérias do músculo cardíaco devido ao acúmulo de placas de gordura, impossibilitando a chegada do sangue aos tecidos orgânicos, levando a falta de oxigênio e nutrientes necessários.
29 mil crianças nascem com cardiopatia congênita por ano
O período perinatal (primeiros 6 dias) e neonatal (do 7º ao 28º dia) correspondem aos primeiros dias de um bebê e se trata do período de maior vulnerabilidade para a criança em diversos quesitos, principalmente se ela tiver uma cardiopatia congênita. De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), de 2019, dentre as causas morte de crianças no geral (1.778), considerando os períodos perinatal, neonatal e infante, os óbitos no período perinatal ocuparam quase metade (47%) das mortes.
A cardiopatia congênita é uma anormalidade na estrutura do coração decorrente do processo de formação do feto na barriga da mãe e, segundo a líder médica da cardiologia pediátrica do Hospital do Coração de São Paulo (HCor), Dra. Ieda Jatene, ao analisar os dados do DataSUS é possível afirmar que nascem, por ano, cerca de 29 mil crianças com cardiopatia congênita, e a grande maioria delas precisam passar por cirurgia.
A cardiologista pediátrica ainda diz que 50% das crianças que precisam ser operadas necessitam realizar o procedimento no primeiro ano de vida. Porém, o Brasil apresenta um déficit de atendimento de aproximadamente 65%, ou seja, “mais da metade das crianças não são tratadas pelo Sistema Único de Saúde”, seja pela falta de serviço na localidade onde vivem, ou pelo estado agravado da doença quando conseguem alcançar o tratamento.
As cardiopatias congênitas podem ser divididas em dois grupos: cianogênicas e acianogênicas e ambas se referem à oxigenação no sangue do paciente.
Ainda de acordo com a mesma pesquisa do SIM, dentre as causas morte de crianças por ‘Malformações congênitas, deformidades e anomalias (total de 397), 36% foram por ‘malformações congênitas no coração, considerando os mesmos três primeiros períodos da criança: perinatal, neonatal e infante.
A cardiopatia cianogênica significa a não mistura dos sangues oxigenados e não oxigenados. “Quando nosso coração é formado, pequenos atalhos se fecham ao nascimento, mas essas crianças nascem com esses atalhos abertos ou possuem malformações nas paredes do músculo que possibilitam a mistura dos dois tipos de sangue”, explica a Dra. Caldas.
A cardiologista ainda complementou afirmando que crianças que nascem com cardiopatias congênitas cianogênicas podem ter alteração na cor da pele, podendo ser “mais roxinhas” devido a mistura do sangue oxigenado com aquele que não é.
Já crianças com cardiopatias acianogênicas não possuem cianose, as caraterísticas arroxeadas. Segundo a Dra. Jatene, os pacientes desse quadro possuem hiperfluxo pulmonar, ou seja, maior quantidade de sangue nos pulmões.
A médica ainda afirmou que a maioria dos pacientes acianogênicos não necessitam ser tratados logo quando nascem mesmo com o diagnóstico precoce. Entretanto, eles podem apresentar cansaço, dificuldade no crescimento e repetidas infecções respiratórias, precisando do tratamento ao longo da vida.
Vivendo com uma cardiopatia congênita
Marcos Staniscio, de 6 anos, é um dos casos de cardiopatia congênita cianogênica que recebe tratamento no HCor. Segundo a mãe, Noelle Staniscio, a criança nasceu com um caso raro de transposição das grandes artérias somado à comunicação intraventricular (CIV) e comunicação interatrial (CIA), o que tornou o quadro do paciente objeto de estudo.
A primeira cardiopatia é quando as ligações da aorta e da artéria pulmonar nascem invertidas, fazendo com que o sangue oxigenado e não oxigenado circulem em áreas trocadas. Já a CIV é um defeito entre as paredes dos ventrículos, enquanto a CIA se trata de uma comunicação anormal entre os átrios cardíacos.
A doença foi descoberta com 22 semanas de gestação após um exame morfológico e foram necessárias quatro intervenções cirúrgicas para a estabilização do quadro. A primeira foi realizada quando Marcos tinha apenas 26 dias de vida e as outras três antes de completar um ano.
“Ele passou oito horas no centro cirúrgico, é meio difícil falar disso, dói meu coração. Ele fez a cirurgia e voltou para UTI, mas não conseguia ser extubado, não saia do tubo de jeito nenhum. Uma semana, duas semanas, três semanas, passaram-se longos quatro meses até a chegada de um médico que identificou um monte de buraquinhos [CIVs e CIAs], que impediam a extubação”, conta Noelle.
De acordo com a mãe, eles não possuem histórico familiar e não existe uma explicação para Marcos ter nascido com o problema. Noelle se emociona ao relatar as dificuldades que enfrentou junto ao filho.
“Falar sobre esse assunto mexe muito comigo, eu me vi tão impotente, você fala assim ‘como que eu vou ajudar meu filho se não está ao meu alcance? Eu sou uma mãe péssima porque eu não consigo ajudar o meu filho, ele nasceu com problema e eu não posso pegar esse problema pra mim’, é um problema dele que acaba sendo nosso. Foram momentos de muita tristeza”, afirmou.
Atualmente, Marcos faz uso de apenas um medicamento para o tratamento de sua cardiopatia e leva uma vida normal, dentro de suas limitações.
“Ele está curado do problema que ele nasceu, porém, não 100%, porque existe esse outro problema que são as CIVs”, explicou Noelle. “Se uma criança da mesma idade, com mesmo biótipo dele, corre 200 metros, ele também corre, mas parando. Ele vai correr 100 metros, parar, e correr mais 100.”
Já no caso de Valéria de Oliveira, as cardiopatias congênitas fazem parte da história da família. A estudante de 28 anos foi diagnosticada com sopro, insuficiência cardíaca e arritmia aos nove meses e foi submetida a tratamentos desde então.
Aos 7 e aos 10 anos precisou fazer duas cirurgias de cateterismo e só conseguiu uma alta parcial aos 16. “Minha doença foi descoberta quando tinha nove meses, desde então faço tratamento e só entendi o que tinha com quase sete anos. Mesmo sendo muito nova, eu sabia da minha condição e sentia medo de morrer. Era um terror para mim!”, disse a estudante, que desabafou sobre suas limitações.
“Meu coração está aqui para me lembrar de que é fraco. E ao menor sinal de emoção forte ou adrenalina a mais, eu o sinto saindo pela boca, me lembrando de que se eu for em frente, irei passar mal.”
Atualmente, Valéria realiza baterias de exames semestrais para garantir a segurança de seu quadro. Além disso, a estudante precisa estar atenta à alimentação. “Tento manter uma vida tranquila e sem agitações.”
Adultos morrem ‘do coração’ por falta de cuidados
Em questões cardiológicas, crianças morrem mais pela malformação congênita e adultos pela falta de cuidados no decorrer da vida com hábitos alimentares ruins, sedentarismo e, claro, a questões genéticas.
Para os médicos, um infarto a partir dos 80 anos é considerado “decorrente do envelhecimento”, mas o problema em pessoas mais jovens acende um alerta aos familiares.
“Se você olhar a parte de mortalidade geral, a faixa etária que mais morre é em torno de 45 a 60 anos. São pessoas de idade mediana”, afirma a cardiologista Caldas, ressaltando que o índice reflete exatamente as questões de hábitos de vida e genética.
“Para pessoas com familiares que tiveram infarto ainda novo, o risco aumenta para a próxima geração. A gente [médicos cardiologistas] considera [que o infarto] abaixo de 45 anos, para homens, e 55 anos, para mulheres, aumenta muito a mortalidade para os descendentes”, alertou a médica.
Coração forte não quer dizer coração saudável
A Dra. Natasha ainda faz uma ressalva a respeito do exagero de exercícios e como funciona a vida de atletas que, mesmo tendo bons hábitos, acabam sofrendo mortes súbitas. O caso já aconteceu com diversos jogadores como; Serginho, zagueiro do São Caetano que teve um ataque cardíaco em campo, em 2004, e morreu no hospital; e Marc-Vivien-Foé, o volante camaronês teve um mal súbito e morreu em campo, em 2003. Sua autopsia revelou que ele tinha um problema hereditário chamado cardiomiopatia hipertrófica, que aumenta o risco de ataques cardíacos durante a prática esportiva.
Outro caso foi o de Miklos Fehér, atacante do Benfica, de Portugal, que era uma das maiores promessas do futebol húngaro, mas morreu após um ataque cardíaco também em campo. Todos os jogadores citados tinham 30 anos ou menos.
“Coração é um músculo, igual o braço, se você o trabalha muito, ele vai crescer, ele vai hipertrofiar e, aí, eu posso não ter o fluxo adequado de sangue para o resto do corpo porque esse coração está muito forte”, explica a médica que, ainda ressalta que problemas de coração não se tratam apenas de infarto.
“Tem pressão, rede elétrica e estrutura. Podemos ter um coração muito bem formado, mas por algum problema genético me faz ter maior tendência a desenvolver arritmia [por exemplo].”
Segundo a cardiologista, atletas são submetidos a exames para rastrear todo tipo de problema, principalmente os que possam interferir no desempenho ou prejudicar o esportista. Entretanto, isso não significa que ele não desenvolva o problema ao decorrer da carreira.
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Assistência para pessoas carentes
Ainda de acordo com a especialista, vale ressaltar a importância da assistência médica, seja presencial ou através da telemedicina, a pessoas carentes que, geralmente não possuem o atendimento adequado.
“Vários projetos dispõem de telemedicina para auxílio de cardiopatia”, afirmou a cardiologista.
O Hospital do Coração (HCor), por exemplo, possui um programa de assistência a bebês e crianças com cardiopatias congênitas. Segundo o hospital, são oferecidos gratuitamente “procedimentos cirúrgicos de alta complexidade, acompanhamento multiprofissional ao longo da vida, apoio diagnóstico, realização de exames e centro de reabilitação física e neurocognitiva.”
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