O mau controlo metabólico tem várias consequências no organismo, também ao nível da saúde oral. Importa saber que manifestações esperar e como preveni-las e tratá-las.
Artigo da responsabilidade da Dra. Ana Rita Fradinho. Médica dentista
A diabetes mellitus, patologia conhecida de todos nós, consiste numa alteração metabólica que surge na sequência de uma incapacidade de utilização pelo organismo da glicose proveniente da alimentação. Isto ocorre pela insuficiente produção da hormona insulina, a sua ação deficitária ou a combinação de ambas. Se a glicose não for utilizada, acumula-se no sangue (hiperglicemia), sendo depois expelida pela urina.
A prevalência estimada da diabetes na população portuguesa dos 20-79 anos (7,7 milhões de indivíduos) é cerca de 13,3%, isto é, mais de 1 milhão de portugueses. Para além disto, verifica-se a existência de uma diferença estatisticamente significativa na prevalência da diabetes entre os homens (15,9%) e as mulheres (10,9%) e a existência de um forte aumento da prevalência da diabetes com a idade.
O mau controlo metabólico, ou seja, um estado frequente de hiperglicemia (glicemia alta no sangue), tem várias consequências no organismo, nomeadamente danos nos nervos, vasos sanguíneos, coração, rins, olhos e pés. É, por isso, expetável que, ao nível da saúde oral, também ocorram manifestações de doença.
CONSEQUÊNCIAS NA SAÚDE ORAL
O alto teor de glicemia na saliva, consequência da hiperglicemia, facilita a formação de placa bacteriana e, consequentemente, de cáries e infeções fúngicas oportunistas, sendo a mais comum a infeção pelo fungo Candida albicans, levando à famosa candidíase.
Por outro lado, o fluxo salivar pode ser afetado, promovendo uma sensação subjetiva de secura oral denominada xerostomia. Muitas vezes, aparece associada a uma complicação da diabetes chamada neuropatia periférica, que consiste na lesão dos nervos periféricos, devido à hiperglicemia crónica.
Estes sintomas podem estar associados a uma sensação de ardor ou dor e dormência da boca, que tem o nome de síndrome de boca ardente.
Outra consequência do mau controlo glicémico é a afetação da microvascularização sanguínea, onde podem ocorrer alterações nas características das paredes vasculares, as quais deixam de conseguir fazer, por um lado, a migração celular necessária para a cicatrização de feridas; e, por outro, as trocas gasosas, fazendo com que os tecidos fiquem menos ricos em oxigénio. Estas alterações atrasam a cicatrização das feridas e potenciam a infeção aquando uma cirurgia ou numa lesão causada, por exemplo, por uma prótese dentária.
ATENÇÃO À PERIODONTITE
Uma das patologias orais mais estudadas ao nível da sua associação com a diabetes é a doença periodontal ou periodontite. Esta é uma doença iniciada e perpetuada por um grupo de bactérias que colonizam habitualmente o sulco gengival, que é o espaço livre que existe entre a nossa gengiva e os nossos dentes, e que são altamente agressivas.
Quando em altas concentrações, essas bactérias produzem uma resposta inflamatória do nosso sistema imunitário, que leva, não só à inflamação gengival (a gengivite), como também à perda óssea subsequente, fazendo com que os tecidos responsáveis pelo suporte dos nossos dentes vão “desaparecendo”, levando, muitas vezes, à perda de dentes.
É importante estar atendo a alguns sinais desta doença, uma vez que não afeta apenas pessoas com diabetes, tendo uma expressão crescente na população mundial. Estes sinais de alerta são:
- Hemorragia gengival frequente;
- Gengivas vermelhas e com aumento de volume;
- Gengivas separadas dos dentes ou retraídas;
- Supuração entre o dente e as gengivas;
- Sabor desagradável e mau hálito persistente;
- Mobilidade dentária;
- Hipersensibilidade às variações de temperatura;
- Alteração da posição dos dentes e alteração na forma como os dentes encaixam quando cerramos a boca.
O processo inflamatório gerado pela doença periodontal acaba por afetar todo o organismo, promovendo uma resistência secundária à ação da insulina, o que, por sua vez, leva a um aumento da glicemia no sangue.
Conclui-se, portanto, que esta é uma relação bidirecional, sendo que quando a diabetes está mal controlada, a severidade da doença periodontal parece aumentar e vice-versa, estando o processo inflamatório associado a ambas as doenças na base da sua relação.
PASSOS PARA UMA BOA HIGIENE ORAL
Todas estas patologias orais acima descritas e, em particular, a periodontite podem ser prevenidas ou minimizada a sua gravidade com recurso a boas práticas de higiene oral. Estas devem, evidentemente, ser adotadas por toda a população, mas com importância redobrada nas pessoas com diabetes.
A placa bacteriana, que é um conjunto de bactérias, restos alimentares e saliva, está em constante formação na nossa boca, pelo que é importante que a consigamos remover antes que calcifique e se transforme em tártaro ou cálculo, que tem consistência dura e apenas consegue ser removido por um profissional.
Para uma correta higiene oral, existem alguns passos que devem ser seguidos:
- Escovagem dos dentes, pelo menos, duas vezes por dia, nomeadamente de manhã, preferencialmente após o pequeno-almoço, e à noite, antes de deitar;
- Remoção de placa interdentária, uma vez que as escovas de dentes não conseguem entrar entre os dentes, com recurso a fio/fita dentária ou escovilhões;
- Higienizar sempre a língua, idealmente com recurso a instrumentos próprios, como os raspadores de língua;
- Agentes químicos: aqui encontram-se as pastas de dentes, geles, elixires ou colutórios, sprays, etc. Dependendo da especificidade de cada um, a pasta de dentes e os restantes agentes devem ser escolhidos para cada pessoa, existindo no mercado produtos específicos para pessoas com diabetes e para ajudar a tratar alguns problemas, tais como o mau hálito e boca seca, entre outros.
Desta forma, é de extrema importancia não só a adoção de hábitos redobrados de higiene oral, como o acompanhamento regular na consulta de Medicina Dentária, possibilitando a prevenção destas patologias e o seu tratamento precoce, de forma a otimizar a saúde sistémica das pessoas com diabetes.
Portanto, procure o seu médico dentista e informe-o se tem diabetes, para que possa ter um esquema de acompanhamento adequado à sua situação.
Leia o artigo completo na edição de setembro 2021 (nº 319)