O suicídio é a segunda causa de morte entre crianças e adolescentes, como resultado da presença de perturbação mental, muitas vezes desconhecida e/ou desvalorizada. Uma verdadeira tragédia silenciosa, que urge impedir.
Artigo da responsabilidade da Dra. Marisa Marques. Psicóloga Clínica e da Saúde; Trofa Saúde Hospital de Barcelos e Trofa Saúde Hospital de Braga Norte.
Comportamento suicida é uma ação autolesiva, que inclui gestos suicidas, tentativas de suicídio e o suicídio consumado. É importante realçar que a ideação suicida compreende pensamentos e planos de ação sobre suicídio. As tentativas de suicídio são atos de automutilação que podem resultar na própria morte, sendo o suicídio “um ato de violência autoinfligido”.
No entanto é importante salientar que o suicídio não deve ser avaliado como sendo o desejo de morrer, mas sim de acabar com tudo aquilo que está a provocar um sofrimento intenso que parece não ter solução.
A CADA 40 SEGUNDOS
Atualmente, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é um problema de saúde pública a nível mundial, sendo responsável por 1 morte a cada 40 segundos, no mundo. Trata-se, pois, de um fenómeno complexo e multifacetado que resulta da interação de fatores de natureza filosófica, antropológica, psicológica, biológica e social.
Segundo a Direção Geral de Saúde, na nossa população, a maior prevalência do comportamento suicida encontra-se entre a adolescência e a idade adulta. Contudo, nos últimos anos, tem sido visível um aumento significativo deste comportamento em faixas etárias mais baixas, inclusive com suicídios a partir dos 5 anos de idade.
Entre 2002 a 2012, houve um aumento de 40% na taxa de suicídio entre crianças e adolescentes dos 10 aos 14 anos e de 33,5% na faixa etária dos 15 aos 19 anos. Com a situação pandémica, foi visível um aumento substancial destes valores.
SEGUNDA CAUSA DE MORTE
Estes dados são a nossa maior preocupação enquanto profissionais de saúde mental e levam-nos a questionar o que faz uma criança ou adolescente pensar em acabar – ou acabar mesmo – com a própria vida.
O suicídio é a segunda causa de morte entre as crianças e os adolescentes, como resultado da presença de perturbação mental, muitas vezes desconhecida e/ou desvalorizada.
Por norma, as crianças com risco de suicídio poderão apresentar-se deprimidas ou ansiosas, apáticas e sem energia para atividades que anteriormente seriam prazerosas, com alteração súbita de comportamentos e/ou conversas sobre assuntos relacionados com a morte. Por isso, é extremamente importante estar alerta e dar a devida atenção e acompanhamento à saúde mental, desde os primeiros anos de vida.
FATORES DE RISCO
A ideação suicida nem sempre culmina em suicídio consumado, mas é um fator de risco para o mesmo e são diversos os fatores que normalmente interagem antes de a ideação se tornar comportamento suicida. A saber:
- Morte de um ente querido;
- Suicídio na escola ou entre os pares;
- Perda de um(a) namorado(a);
- Mudança de um ambiente familiar (como da escola ou da vizinhança) ou de amigos;
- Humilhação por familiares ou amigos;
- Situações de bullying;
- Insucesso escolar.
Tais acontecimentos stressantes por si só não levam a que as crianças e adolescentes tenham comportamentos de ideação suicida; contudo, quando existem problemas subjacentes, mesmo não sendo justificativo, é mais provável que aconteça.
Os principais problemas subjacentes podem ser: perturbação de humor ou ansiedade, perturbação de controlo ou comportamento, abuso de substâncias, esquizofrenia, traumatismo craniano, PSPT, entre outros.
Outro fator de risco é a sua componente hereditária, uma vez que o suicídio é mais provável em famílias com predisposição para as perturbações de humor, especialmente caso haja um histórico familiar de suicídio ou outros comportamentos violentos.
Um aspeto preocupante para os psicólogos é que o comportamento suicida nas crianças acontece, muitas vezes, como imitação de outros, como no caso de celebridades e informações expostas pelos mídia e redes sociais.
DIAGNÓSTICO
Pais, médicos, professores e amigos podem estar numa posição que lhes permita identificar as crianças em risco de tentar o suicídio, em particular aquelas que tiveram uma recente mudança de comportamento.
As crianças e os adolescentes que exprimem abertamente pensamentos de suicídio – como “quem me dera nunca ter nascido” ou “gostaria de dormir e nunca mais acordar” – estão sob risco, tal como as crianças com sinais mais subtis, como retraimento social, retrocesso escolar, perda de prazer em atividades do dia a dia anteriormente prazerosas.
O apoio médico é essencial. O encaminhamento da criança ou adolescente com tendências suicidas a profissionais qualificados, como pediatras, psicólogos e psiquiatras, pode salvar uma vida!
Nestes casos, os profissionais de saúde têm duas funções principais:
- Avaliar a segurança e a necessidade de hospitalização da criança;
- Intervir nas perturbações subjacentes, como depressão, ansiedade, problemas familiares, abuso de substâncias, entre outras.
TRATAMENTO
Qualquer tipo de tentativa de suicídio deve ser valorizada, mobilizando todos os recursos para a situação, porque um terço das crianças com comportamentos suicidas acaba por consumar o ato.
Por norma, começa por alguns pequenos ferimentos, como arranhões superficiais no pulso, mas com o passar do tempo estes atos tornam-se cada vez mais intensos e autolesivos.
O tratamento pode envolver hospitalização, caso o risco seja elevado, farmacoterapia e terapia individual e familiar.
A decisão de hospitalização depende do grau de risco, dado que é o modo mais garantido de proteger a criança e é, geralmente, indicada quando existe algum diagnóstico de perturbação mais severa, como a depressão.
Em caso de a hospitalização não ser necessária, a família da criança deverá ser apoiada, de forma a eliminarem todos os fatores de risco. No caso da criança ou adolescente apresentar o diagnóstico de perturbação de humor, deverá ser encaminhada para Psiquiatria e Psicologia, para devido tratamento farmacológico e psicoterapêutico. O tratamento é mais eficaz e eficiente quando existe a envolvência de toda a equipa médica (médico de família/ pediatra, psiquiatra e psicólogo).
Leia o artigo completo na edição de setembro 2021 (nº 319)