Houve um tempo que se dizia que o luto tinha começo, meio e fim, e que, ao término desse processo, o enlutado poderia reinvestir sua energia em construir novos projetos e relacionamentos. No entanto, um modelo proposto por dois importantes pesquisadores tem desafiado, há pelo menos 20 anos, essa visão conservadora.
Margaret Stroebe e Henk Schut, ambos professores da Universidade de Utrecht, da Holanda, propuseram uma nova forma de se compreender o processo de luto, intitulado Modelo do Processo Dual para o Enfrentamento do Luto.
Enquanto os modelos tradicionais afirmavam que havia uma série de etapas, fases ou estágios que os enlutados viviam, geralmente culminando na “resolução” ou na “aceitação”, o novo modelo propõe que o luto é um processo que não é vivido por estágios, mas um percurso de adaptação e oscilação, um caminho dual.
Tudo na natureza parece seguir esse mesmo caminho. O Universo, ao que parece, está se expandindo, e em algum momento se acredita que ele voltará a retrair. Quando se prepara para dar à luz a uma nova vida, o útero faz o movimento de se contrair e de expandir. Da mesma forma, quando depara com a dor colossal da perda, a pessoa enlutada faz um movimento semelhante.
Nos primeiros tempos de uma perda, com alguma frequência, a dor é bárbara, rasteja sobre a pele e é absolutamente incivilizada. O luto é um movimento de contrair na dor, na memória, na emoção, na saudade, no caos de um amor latejante. Mas ele também é um movimento de expandir, de se distrair, de fazer novos vínculos e projetos.
Há muitos autores que defendem, na literatura especializada, que o luto não acaba, e concordamos com essa visão. No entanto, é importante enfatizar que o luto não se resume a tristeza ou saudade, mas envolve todas as dimensões do indivíduo — física, psicológica, social ou espiritual. É um processo complexo, para o qual não existe um guia infalível. O luto é um antiestabilizador, que se recusa a ser contido e que corre como um rio, devendo ser respeitado em seu curso próprio.
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A dor às vezes não diminui, mas a pessoa enlutada pode desenvolver a musculatura para carregá-la e suportá-la, tornando-se mais forte. Aos poucos, o indivíduo passa a ter recursos para lidar com seu coração inexoravelmente partido, e reaprende a viver, compreendendo que ele é, sim, maior que a dor.
Numa época que nos obriga a construir rapidamente significados para o sofrimento, que nega a tragédia vivida até a medula pelos enlutados, temos que abandonar a ideia de que existem respostas fáceis e que a árdua tarefa de se reinventar pode ser feita com receitas mágicas que façam toda a dor ir embora.
No dicionário do luto, não há espaço para palavras como “superar”, “ultrapassar” ou, pior ainda, “encerrar”. O termo “encerramento” se aplica bem a contas bancárias, e não a um coração partido pela dor nada bonita de uma perda irreparável.
Em nosso caminho, temos ajudado muitas pessoas em sua travessia pelo luto, e temos advogado individual e institucionalmente para que todas as pessoas tenham respeitado o seu direito de viver esse processo à sua maneira, em seu ritmo, segundo suas próprias regras. É para assegurar o direito de sentir que temos trabalhado, dedicando nossas vidas para que todo profissional de saúde e toda a sociedade participem desse grande movimento de educação, de cuidado e de transformação social em relação à vida e à morte. Temos muitas mãos, mentes e corações conosco nesse importante projeto.
E tudo começa pelo reconhecimento de que o luto é um terreno sagrado que pertence a cada indivíduo enlutado, e o que nos compete é acompanhá-lo em sua travessia, ajudando-o a recrutar ou a desenvolver recursos para lidar com um processo que levará uma vida inteira para ser vivido — sendo possível, assim, seguir em frente, reconhecendo sua força e potência.
Mas dá para ser feliz de novo? Depois de uma perda, a felicidade é com frequência alcançada quando abraçamos, do nosso jeito e segundo nossas próprias regras, o horror e o amor, o propósito e a falta de sentido, as grandes dores e pequenas felicidades, e seguimos dizendo “sim” aos nossos dias, por amor a quem vai e a quem fica, ao que foi e ao que está por vir, num tempo sem começo, meio e fim.
* Rodrigo Luz é psicólogo, especialista em perdas e luto e fundador do Instituto Pallium Brasil